A Prefeitura do Rio engatou uma marcha em direção a um novo sistema de bilhetagem dos ônibus. O ponto final é tornar transparentes as informações sobre as receitas do setor de transportes, guardadas a sete chaves numa caixa-preta, mencionada ontem por Eduardo Paes. Em 30 de agosto, será lançado um edital para escolher a empresa que vai administrar a arrecadação das tarifas pagas pelos passageiros. Com esses dados em mãos, o município vai calcular o subsídio que vai liberar para tirar o setor do buraco.
— A maior alegria desse momento é a gente finalmente abrir a caixa-preta dos transportes. Garantir a transparência financeira e fazer uma gestão com dados confiáveis, entregando um serviço melhor para o cidadão. Todos nós sabemos o estado deplorável do transporte, com falta de serviço e de linhas, ou mesmo de ônibus em péssima situação — afirmou Maína Celidonio, secretária municipal de Transportes, que completou: — Vamos fazer o controle da receita. Toda a arrecadação do sistema de transporte vai passar pela prefeitura. Hoje não consigo saber se esse sistema é lucrativo ou se existe um déficit. A gente também não tem dados em tempo real. Como vou planejar quantos ônibus têm que estar em cada linha se eu não sei quantas pessoas estão embarcando?
Além da promessa de melhorar a vida do usuário, que enfrenta diariamente ônibus lotados, caindo aos pedaços e sem ar, a prefeitura estima reduzir o valor da passagem. Antes de o edital ser lançado, serão realizadas audiências públicas para ouvir passageiros e vereadores.
Na licitação, será escolhida a empresa que oferecer a maior outorga ao município para administrar por dez anos a bilhetagem dos ônibus, dos BRTs e do VLT. Haverá integração ainda com o Bike Rio e o Táxi Rio. A previsão é que a concessionária assuma o serviço em março do ano que vem, e que os usuários tenham três meses para realizar a troca de cartões, que será gratuita. O novo modelo estará em pleno funcionamento em 2023.
Para o cidadão, a medida prevê o fim do uso de dinheiro na compra de passagens, o que deve acontecer até o fim de 2023. Os passageiros poderão usar meios eletrônicos, como Pix e QR Code, sem a necessidade do uso do cartão. A recarga poderá ser feita por um aplicativo. Segundo a prefeitura, a digitalização das transações permite um maior controle sobre a arrecadação, pois todas elas serão registradas no sistema de bilhetagem. A Secretaria municipal de Transportes (SMTR) vai monitorar essas informações em tempo real por uma central.
Para as empresas operadoras, a prefeitura prometeu conceder gratuitamente os primeiros validadores, além da instalação e da manutenção das máquinas de recarga de cartões dos passageiros, as chamadas ATMs. Mas a concessionária escolhida vai cobrar uma taxa de administração de 3% de cada bilhete (hoje a porcentagem é desigual entre as empresas).
A iniciativa da prefeitura entrou em rota de colisão com os empresários, que reclamam da demora para receber ajuda financeira do governo. O Rio Ônibus, sindicato que reúne as empresas do setor, diz que não foram estabelecidos prazos ou cronogramas. Alega uma perda de R$ 1,5 bilhão de arrecadação durante a pandemia e que nove empresas estão em recuperação judicial. Das outras 20 que operam na cidade, dez devem entrar em colapso em até 12 meses, se nada for feito.
O Rio Ônibus nega a existência de uma caixa-preta. Em nota, afirmou que “os dados são disponibilizados na forma contratual à Secretaria municipal de Transportes (SMTR)”. Hoje a bilhetagem é controlada pela empresa RioCard, que é formada pelos proprietários das empresas de ônibus.
A licitação poderá dar fim a um antigo problema: os créditos remanescentes nos cartões dos usuários, que ficam com a RioCard. A ideia é que o dinheiro seja destinado a financiar a mobilidade urbana.
A prefeitura ainda não definiu quanto será o subsídio para as empresas no novo modelo. O valor será baseado no deficit do setor. O assunto estará em discussão em duas audiências públicas, nos próximos dias 12 e 16. A empresa que vai substituir a RioCard deve ser escolhida em outubro.
— Vamos privilegiar aquelas que têm mais capacidade de gestão, de com menos fazer mais — disse Eduardo Paes.
Para o porteiro Cléber Gomes, de 46 anos, que pega ônibus todo dia em Nilópolis rumo a Copacabana, onde trabalha, a proposta parece “ótima, desde que funcione”:
— Eles alegam que não tem passageiro, mas tem hora em que o ônibus está lotado. Mesmo na pandemia, é um fungando no cangote do outro. O transporte é péssimo. Já era ruim antes, agora ficou pior.
Após a apresentação do novo esquema de bilhetagem, o Rio Ônibus soltou uma nota em que salienta que o modelo de venda de passagens e o possível subsídio à operação das empresas são assuntos diferentes. A organização pontua que “todas as iniciativas para retomar a qualidade do setor de ônibus, afetado em cheio pela pandemia, são importantes e urgentes”, mas que a SMTR “não sinaliza prazos ou cronogramas para, de fato, dar suporte econômico necessário aos consórcios”.
A RioCard disse que “as propostas apresentadas pela SMTR para a licitação do sistema de bilhetagem eletrônica já são realidade para os clientes que utilizam o transporte público na cidade do Rio. Diferentemente do que foi exposto, a Riocard mantém um fluxo transparente de informações sobre a operação das empresas de transporte, que são enviadas diariamente para análise da prefeitura”.
Após o posicionamento da Rio Ônibus, Maína Celidonio reforçou ao EXTRA:
— A bilhetagem tem tudo a ver com a possibilidade do poder concedente prover subsídios. A bilhetagem possibilita contabilizar a receita do sistema e, consequentemente, qual o valor do deficit e do subsídio necessário.