A morte do miliciano Wellington da Silva Braga, o Ecko, abriu espaço para uma disputa não apenas pelo comando da maior milícia do estado, mas também dentro de grupos associados à quadrilha. No último mês, segundo levantamento feito pelo EXTRA, os confrontos deixaram ao menos sete mortos, entre eles um policial militar e dois ex-PMs. Mas esse número pode ser ainda maior. Em Santa Cruz e Campo Grande, segundo relatos, há vítimas da disputa cujos corpos nunca foram encontrados, e seus desaparecimentos não foram comunicados à polícia. Desde a morte de Ecko, já foram registrados ataques, homicídios e tentativas de invasão em pelo menos cinco favelas, bairros ou localidades, levando medo e terror aos moradores dessas áreas.
Na maior parte de Campo Grande e Santa Cruz, informações de inteligência da Polícia Civil apontam que um dos irmãos de Ecko, Luiz Antônio da Silva Braga, o Zinho, já assumiu o controle dos negócios criminosos da família. Um antigo comparsa de Ecko, Rodrigo dos Santos, conhecido como Latrel, assumiu a função de braço direito de Zinho. O miliciano é conhecido por seu perfil violento, contribuindo para capítulos sangrentos dessa guerra por poder, principalmente na Zona Oeste do Rio.
Mas o domínio de Zinho na região não é absoluto. Antigo braço-direito de Ecko, Danilo Dias Lima, o Tandera, comanda algumas localidades, como Jesuítas, em Santa Cruz, e o conjunto Manguariba, em Paciência. Esse último Lima tomou após a morte do ex-comparsa. Atualmente, Tandera é o principal opositor de Zinho, também cotado para assumir o posto deixado por Ecko.
Um dos assassinatos ligados à disputa pelo posto de sucessor de Ecko é o do subtenente da PM Luciano de Jesus Hipólito, executado a tiros por homens encapuzados no último dia 26 em Campo Grande. A polícia investiga se Hipólito, que já havia sido alvo de uma investigação interna da PM por suspeita de integrar a milícia da Zona Oeste e tem ligação com antigos integrantes do grupo paramilitar egressos da PM, era considerado uma ameaça para Zinho e seus comparsas. Um ex-PM que trabalha como segurança do novo chefão é suspeito do crime.
Matar possíveis ameaças ao domínio de regiões não é prática nova na milícia. Nos seis meses posteriores à morte de Carlos Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes, em abril de 2017, dez milicianos foram encontrados mortos na Zona Oeste do Rio. Foi assim que Ecko, seu irmão mais novo, assumiu a chefia.
A saída de Ecko de cena tem sido vista por Tandera e seus comparsas, como Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho, como oportunidade de avançar em territórios que eram do ex-chefão. No fim do mês passado, Tandera determinou um ataque a milicianos da comunidade do Terreirão, no Recreio. Sabendo da movimentação dos rivais, criminosos ligados a André Costa Barros, o André Boto, teriam aproveitado um momento de descuido, enquanto almoçavam, para atacá-los. Três homens morreram e outros cinco ficaram feridos no episódio. Um deles foi preso após ter sido encontrado com uma arma. Morador de Nova Iguaçu, região na qual Ecko tinha “franquias”, ele disse ter vindo para a capital para fazer “um serviço”, sem dar detalhes.
‘Franquias’ na Baixada
Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, os domínios do grupo também estão sob disputa. Ao longo de 2019, o miliciano fechou acordos com chefes paramilitares locais e apoiou, com homens e armamento, uma série de invasões a regiões antes dominadas pelo tráfico de drogas. A partir de então, os grupos locais passaram a repassar parte dos lucros ao chefão.
A morte de Ecko gerou instabilidade nas franquias da Baixada Fluminense e novos chefes tentam “atravessar” os acordos costurados no passado. Dois crimes recentes são investigados pela polícia como parte dessa disputa territorial. No último dia 30, homens encapuzados e armados com fuzis promoveram um ataque a uma academia no bairro Cacuia no municípo da Baixada.
O cabo da PM Evaldo de Souza Torres, de 38 anos, que se exercitava no local, foi baleado e morreu cinco dias depois. Outro PM, o também cabo Gilson de Oliveira Firmino, ficou ferido na ocasião. A polícia já sabe que o ataque foi promovido por milicianos. Um dos atiradores, que também foi baleado e acabou morrendo no local, foi identificado como Sandro Santos de Oliveira, o Bomba.
Em janeiro deste ano, Oliveira foi preso em flagrante no momento em que extorquia dinheiro de comerciantes no bairro Ouro Verde. Segundo investigadores, Santos integrava uma das “franquias” da milícia de Ecko em Nova Iguaçu.
Execução de ex-PM estaria ligada à guerra
Outro crime que pode estar relacionado a disputas pelo controle das regiões após a morte de Ecko é a execução do ex-PM Altino Gláucio Ramos Dias, o Tilt, na quinta-feira passada. Dias, um ex-caveira que já foi candidato a vereador, foi executado a tiros no bairro Moquetá, em Nova Iguaçu. Homens com fuzis atiraram de dentro de um carro em direção ao homem, que foi expulso da PM em 2016, após ser acusado de receber propina de traficantes. Dias também foi condenado, em 2012, a 12 anos de prisão por torturar até a morte, “por meio de tapas, socos e golpes de tijolos”, um homem no Jacarezinho, em 1998. Ele respondia em liberdade pelo crime.
Outra área dominada por aliados de Ecko que foi palco de um ataque foi a favela Dois Irmãos, em Curicica. Na semana seguinte à morte do chefão, milicianos rivais invadiram o local, cujo chefe é André Costa Barros, o André Boto, antigo parceiro de Ecko que também domina o Terreirão. Segundo a polícia, os invasores faziam parte do grupo paramilitar de Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho, chefe da milícia do Campinho, na Zona Norte. Investigadores, entretanto, suspeitam que Tandera também tenha apoiado a empreitada.
Áudios que circulam pelas redes sociais mostram recados recebidos por paramilitares do bando de André Boto que ocupam favelas vizinhas à Dois Irmãos, como Santa Maria e Teixeiras: “Mudou tudo lá em cima, agora quem manda é o Tandera e o Macaquinho”, avisam comparsas.