Passados três anos e meio da morte da menina Ágatha, no Complexo do Alemão, a Justiça decidiu que o policial militar Rodrigo José de Matos Soares, réu pelo homicídio, será julgado pelo Tribunal do Júri. A decisão foi tomada na quarta-feira (12) na 1ª Vara Criminal da Capital. Ágatha foi baleada aos 8 anos de idade, dentro de uma kombi, quando voltava de um passeio com a mãe, Vanessa Francisco Sales, em 20 de setembro de 2019.
A OAB-RJ representa os pais da vítima como assistente de acusação. Para conseguir levar o agente da Polícia Militar a júri popular, os procuradores da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Jurídica da OAB, os advogados Mariana Rodrigues e Rodrigo Mondego, conseguiram reunir indícios de autoria e provas do crime para apoiar que Ágatha foi vítima de homicídio qualificado por motivo torpe e sem chance de defesa da vítima.
A morte da criança teria sido resultado de um erro de execução do disparo por parte do policial, cuja motivação ao atirar com o fuzil era a de atingir duas pessoas que trafegavam pela em uma motocicleta em alta velocidade. Grande parte do esforço da comissão foi identificar testemunhas e apresentá-las ao juízo, apoiando o trabalho da Polícia Civil.
Nas audiências de instrução, Vanessa Sales, mãe de Ágatha, contou que embarcou com a filha numa kombi, na localidade Nova Brasília, na volta de um passeio. Ao chegar na localidade da Fazendinha, diante do desembarque de passageiros, Vanessa tirou a criança do colo e a colocou sentada ao seu lado, quando ouviu um barulho muito forte, semelhante a uma bomba, sem que outros estampidos fossem ouvidos antes ou que houvesse presenciado nem tomado conhecimento de operação policial naquele momento. “Ágatha começou a chamar ‘mãe, mãe, mãe!’ e caiu; após a queda da vítima, Vanessa não conseguia levantar Ágatha, momento em que percebeu um buraco nas costas dela”, diz o trecho da sentença que reproduz o depoimento da mãe.
As testemunhas ouvidas corroboraram o relato de que não havia operação policial no momento dos fatos e afirmaram terem visto o agente disparando com fuzil contra duas pessoas que passavam em alta velocidade numa motocicleta, sem que houvessem sido provocados. A defesa de Soares sustentou nas primeiras fases do processo que o policial militar agiu em legítima defesa, tese que foi contraditada por outras testemunhas.
Para a advogada Mariana Rodrigues, a denúncia do Ministério Público foi rápida, mas o tempo que o Judiciário levou para produzir uma sentença de pronúncia faz pensar sobre o racismo que estrutura o sistema de Justiça. “Isso fica patente quando se leva em conta a relativa rapidez da tramitação do caso Henry Borel, uma criança branca, ligada a um vereador. Continuaremos a buscar o desfecho que entregue justiça à família de Ágatha, num esforço para que a responsabilização deste policial militar sirva para que as forças de segurança pública reformulem os protocolos de atuação em comunidades carentes”.
Caso contraria impunidade
O caso Ágatha Félix contraria a estatística de impunidade quando os autores de homicídio são policiais. A maioria dos inquéritos nos quais policiais civis, militares ou penais figuram como acusados de homicídios sequer chegam ao Judiciário fluminense, sendo arquivados por legítima defesa ou falta de provas do homicídio. Os dados são do estudo “Letalidade Policial no Rio de Janeiro e Respostas do Ministério Público” conduzido pelo Fórum Justiça, que analisou 4.527 casos ocorridos entre 2011 e 2021.
Para Mondego, essa sentença de conduzir o caso ao júri rompe com um ciclo de injustiças em mortes de crianças em territórios de favelas. “Infelizmente, na esmagadora maioria dos casos de mortes de inocentes em ações policiais em favelas, não se chega à autoria do crime. E, quando se chega, mais raramente ainda caminha até a pronúncia para o júri popular. Em suma, é uma vitória da civilização contra a barbárie”, afirmou.
O homicídio inspirou a Lei Ágatha (Lei 9.180/21), que garante prioridade de investigação a crimes cometidos contra a vida de crianças e adolescentes no Rio de Janeiro.
Fonte: O dia