O ex-deputado federal David Miranda morreu, na manhã desta terça-feira, 9, aos 37 anos. Ele estava internado há nove meses na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Clínica São Vicente, na Gávea, Zona Sul do Rio, por uma infecção generalizada no sistema gastrointestinal. A informação foi confirmada por seu marido, o jornalista Glenn Greenwald, nas redes sociais. Miranda faria 38 anos nesta quarta-feira,10.
“É com a mais profunda tristeza que eu comunico a morte do meu marido, David Miranda. Ele iria fazer 38 amanhã. Sua morte, no início desta manhã, ocorreu após uma batalha de 9 meses na UTI. Ele morreu em paz, cercado por nossos filhos, pela família e por amigos”, escreveu Gleen, no Twitter.
“A vida de David foi extraordinária em todos os aspectos. Sua mãe morreu quando ele tinha 5 anos, deixando-o órfão no Jacarezinho. Mas uma vizinha linda e compassiva, Dona Eliane, o acolheu apesar de ter 4 filhos e da profunda pobreza, tornou-se sua mãe, deu-lhe uma chance de vida”, acrescentou o jornalista.
Glenn continuou: “Isso deu a David a chance de viver todo o seu potencial em uma sociedade que muitas vezes o sufoca. Ele foi essencial para a história de Snowden, tornou-se o primeiro homem gay eleito para a Câmara Municipal do Rio, depois para o Congresso Nacional aos 32 anos. Ele inspirou muitos com sua biografia, paixão e força de vida”.
Ele contou, ainda, como David tinha orgulho de ter sido nomeado pela revista “Time” um dos “líderes da próxima geração” e que sempre enfrentou “muitas suposições feitas por aqueles que não o conheciam” por conta de como cresceu.
“De longe, o maior sonho de David, o que lhe dava maior orgulho e propósito, era ser pai. Ele era o pai mais dedicado e amoroso. Ele me ensinou a ser pai. E nossos meninos verdadeiramente excepcionais — com seu próprio começo de vida difícil — é seu maior legado”, concluiu Glenn.
O corpo do do ex-parlamentar será velado nesta quarta-feira na Câmara Municipal de Vereadores, no Centro do Rio. Ainda não foi divulgado o horário e nem o local do sepultamento.
Miranda e Gleen eram casados há 18 anos e possuem três filhos, João Victor, Jonathas e Marcelo.
Internação por infecção generalizada
David foi internado na Clínica São Vicente, na Gávea, Zona Sul do Rio, em 6 de agosto de 2022, com uma infecção generalizada do sistema gastrointestinal.
Segundo informou Glenn à época, o então deputado federal do PDT sentiu fortes dores abdominais enquanto participava de um evento político na semana anterior.
Na época, o quadro era considerado grave. Em setembro do mesmo ano, David era candidato à reeleição como deputado federal pelo Rio, mas como ainda estava internado, teve que renunciar à candidatura.
Glenn havia descrito ainda que este era o melhor cenário que estavam vivendo desde que David foi internado. Neste período, houve três ligações dos médicos para alertá-lo de que ele deveria se preparar para o pior.
“Desde a primeira semana, houve três ocasiões em que os médicos me ligaram e me disseram para nos prepararmos para o pior, que suas chances de sobrevivência nas próximas 48 a 72 horas eram muito baixas, quase impossíveis. Nem vou me dar ao trabalho de tentar explicar como é ter que dizer aos seus filhos, à família e aos melhores amigos do seu marido que é hora de ir para o hospital pelo que, muito provável, seja a última vez”, escreveu.
Trajetória
David Michel dos Santos Miranda nasceu em 10 de maio de 1985. Criado pela tia, Miranda morou na favela do Jacarezinho, até sair de casa, aos 15 anos. É órfão de mãe, desconhece o pai, tem quatro irmãos com quem perdeu o contato. Trabalhou como office boy, faxineiro, despachante e gerente de uma casa lotérica. Conheceu o jornalista Glenn Greenwald em 2005.
Poucos meses depois estavam casados pelas leis brasileiras, mais avançadas na época do que as dos Estados Unidos. Em 2017, o casal anunciou que havia adotado dois filhos alagoanos, de Maceió, chamados João Victor e Jonatas.
Antes da política, Miranda foi jornalista e estrategista de marketing. Ele se formou em 2014 em marketing pela ESPM, com a ajuda de Greenwald. O casal se mudou para os Estados Unidos em seguida.
O ex-parlamentar se envolveu na campanha pelo asilo de Edward Snowden no Brasil, e trabalhou junto ao marido nas revelações sobre o sistema de vigilância global da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês). Em agosto de 2013, durante a escala de um voo em Londres, na Inglaterra, Miranda chegou a ser detido pelo governo britânico por conta do trabalho junto a Glenn.
Ele foi interrogado durante 9h no Aeroporto de Heathrow sob a lei antiterrorismo do país. Na época, as autoridades britânicas alegaram que o ex-deputado federal estava envolvido com “terrorismo” quando foi detido tentando transportar documentos de Edward Snowden.
No ano seguinte, já no Rio, Miranda se filiou ao PSOL. Foi vereador no Rio de Janeiro pelo PSOL de 2017 a 2019. O primeiro vereador assumidamente gay a assumir uma cadeira na Câmara carioca, com 7.012 votos.
Nas eleições de 2018, se elegeu 1º suplente pelo partido, mas assumiu o mandato desde o início como titular, em razão da desistência do então deputado eleito Jean Wyllys.
“Eu acredito em uma coincidência do destino. Se eles (os opositores de Wyllys) acham que vão acabar com um LGBT, outro de nós vai assumir. Vou estar lá por todos os nossos companheiros que são tombados. Acho que, de alguma maneira, a saída dele e a minha chegada estão completamente relacionadas por essa semelhança, disse na época.
Em 2019, David Michel dos Santos Miranda foi eleito pela revista norte-americana “Time” como um dos dez líderes da próxima geração. Na publicação, o ex-deputado disse que estava “tremendo” antes de subir na tribuna. “Aquele lugar não foi construído para pessoas como nós”, declarou.
Em janeiro de 2022, Miranda foi para o PDT, em razão da proximidade do PSOL com o PT. Nas últimas eleições, já internado na Unidade de Tratamento Intensiva, sua candidatura à reeleição foi retirada pelo marido.
Na Câmara, ele integrou as comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional; de Cultura; e de Legislação Participativa.
Ele também fez parte da comissão externa que acompanhou as investigações das queimadas em biomas brasileiros e da comissão especial que analisou o projeto, que originou a lei que aumentou a punição para quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar cão ou gato.
Miranda também foi coautor de dois projetos que buscaram amenizar os impactos da pandemia, um que destinou R$ 3 bilhões para o setor cultural, e outro que reforçou as medidas de proteção aos entregadores de aplicativos.
Fonte: O dia