Alessandra dos Santos Silva, a passista que teve o braço amputado depois de se internar para uma cirurgia de retirada de mioma, é uma trancista que mora na Baixada Fluminense.
Com a amputação do braço e a retirada do útero, aos 35 anos, ela conta que teve sonhos interompidos: o trabalho, que era a fonte de renda, e o sonho de ser mãe.
Trancista há 20 anos
Alessandra já trabalhava como trancista e implantista há pelo menos duas décadas e agora não sabe o que fazer daqui para frente. Noiva há 11 anos, Alessandra também não sabe se um dia terá filhos.
“Tiraram o meu direito de trabalhar. Eu estou sem renda nenhuma, passando por algumas dificuldades”, lamenta a passista.
Por causa das complicações da cirurgia, ela teve o útero retirado, e agora não poderá mais ser mãe biológica – que era uma das suas metas para os próximos anos.
Paixão pela Grande Rio desde os 19 anos
Apaixonada por samba desde a adolescência, ela lembra do início de tudo: a paixão pela Acadêmicos da Grande Rio, escola do coração e pela qual ela desfilava desde os 19 anos.
“Eu passei a frequentar a quadra por causa de um amigo, ainda adolescente. Ele ajudava a compor alguns sambas e me levava nas votações para escolher o samba-enredo. Quando eu vi aquilo tudo, eu fiquei encantada”, relembra Alessandra.
O encanto era tanto que ela não se contentou apenas em observar.
“Eu vi aquelas passistas lindas e pensei: é isso que eu quero para a minha vida. Comecei a ir nos concursos que tinha e até hoje lembro da felicidade que eu senti quando fui escolhida. Eu consegui entrar pro time de passistas da Grande Rio, é muita paixão e felicidade que eu sinto até hoje”, conta ela.
Título com a escola do coração
O último carnaval que Alessandra desfilou foi o que tornou a escola campeã pela primeira vez, em 2022.
“A felicidade foi tanta. Foi maravilhoso, minha escola merecia muito”, lembra a trancista. Na ocasião, a escola de Duque de Caxias apresentou um entedo sobre o orixá Exu.
A amputação do braço e retirada do útero
O drama de Alessandra começou em agosto do ano passado, quando sentiu dores e descobriu os miomas. A cirurgia só viria no Hospital da Mulher Heloneida Studart em 3 de fevereiro deste ano. Horas depois do procedimento, médicos detectaram uma hemorragia e, no dia seguinte, decidiram retirar o útero.
Em 5 de fevereiro, parentes foram visitar Alessandra, que estava em coma e com as pontas dos dedos esquerdo escurecidas. Braços e pernas estavam enfaixados. Para a família, era o começo da necrose.
No dia 6 de fevereiro, com uma piora do quadro de Alessandra, o Heloneida Studart a transferiu para o Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (Iecac), em Botafogo.
Lá, um médico disse que iria drenar o braço. O procedimento não deu resultado e, no dia 10 de fevereiro, o Iecac informou que “ou era a vida de Alessandra, ou era o braço”, porque a necrose poderia se alastrar. A família autorizou a amputação.
A cirurgia foi feita, mas o estado da mulher se agravou, com o rim e o fígado quase parando e com risco de uma infecção generalizada.
O choque ao ver a amputação
Alessandra saiu do coma no dia 12 de fevereiro. “De primeira, eu achei que eu estava delirando, até porque o quarto em que eu estava [no Heloneida Studart] eu lembro muito. O teto era de uma cor. E o teto do outro hospital [o Iecac] era de outra cor. Então, eu já comecei aos poucos a perceber que eu não estava no mesmo lugar. Até a hora que eu tirei o lençol e me deparei com meu braço”, recordou a passista.
A passista recebeu alta no dia 15. Mas, segundo Ana Maria, dias depois a barriga estava necrosando.
Em 28 de fevereiro, a mulher voltou ao Iecac para a revisão da cirurgia de amputação. Segundo a mãe, o médico se assustou com o estado dos pontos no braço e na barriga e recomendou que elas voltassem ao Heloneida Studart. A família, porém, decidiu não retornar à unidade e passou a buscar alternativas.
Somente em 4 de março Alessandra foi internada no Hospital Maternidade Fernando Magalhães e transferida para o Hospital Municipal Souza Aguiar, por causa das suturas, e só recebeu alta em 4 de abril.
A mãe de Alessandra dos Santos Silva, a passista que teve o braço esquerdo amputado após complicações em uma cirurgia para retirada de miomas no útero, afirmou que profissionais do Hospital da Mulher Heloneida Studart em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, tentaram esconder da família uma necrose na paciente, antes da amputação.
“Nem foto eles deixaram a gente tirar. Eu perguntei por que as mãos dela estavam enfaixadas. ‘Sua filha está com muito frio, por isso que a gente enfaixou ela’. Já estava necrosando os dedos. Eles esconderam”, narrou a mãe, Ana Maria. Alessandra ainda está com pontos pelo corpo, quase três meses após os procedimentos.
A mulher de 35 anos explicou ao RJ1 que os pontos na barriga até agora não cicatrizaram, razão pela qual tem dificuldades de andar. Alessandra não sabe quais foram as complicações no Heloneida Studart que levaram à amputação do braço — e, dias antes, à remoção do útero.
O que dizem as autoridades
A Secretaria Estadual de Saúde disse que vai abrir uma sindicância para apurar o que aconteceu no Hospital da Mulher Heloneida Studart.
O delegado Bruno Enrique de Abreu Menezes, titular da 64ª DP (São João de Meriti), afirmou ao g1 que pretende ouvir o diretor do hospital. “Quando receber os prontuários médicos, requisitarei uma perícia ao IML para sabermos se houve negligência ou imperícia”, disse.
Fonte: G1